segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Pensamento


«Que haveis vós feito para terdes tantos bens? Haveis tido o trabalho de nascer, nada mais.»
Pierre Beaumarchais
In Paulo Neves da Silva, Dicionário de Citações, Âncora Editora.


segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Boas festas?

Imagem publicada na internet sem identificação do autor.
Estamos com três anos e meio de governo PSD-CDS, temos o sistema financeiro esfrangalhado, a economia anémica, um empobrecimento brutal, o desemprego nos dois dígitos, uma emigração que não pára, a justiça no fio da navalha, a educação ligada à máquina, a corrupção generalizada e um ex-primeiro-ministro preso. São alguns tópicos do retrato do Portugal que somos.
Estamos a chegar ao fim deste ano e o novo ano que se aproxima vem carregado de mais do mesmo: a mesma política com o mesmo primeiro-ministro, precisamente aquele que chegou ao poder por via da mentira e que vai partir deixando para trás um país exaurido, cabisbaixo, sem projecto e sem acreditar em coisa alguma. Depois de seis anos com um primeiro-ministro patologicamente arrogante, egocêntrico e incompetente, agora acusado de crimes graves, e de mais quatro anos de um primeiro-ministro sem rasgo, politicamente limitado, tecnicamente impreparado e culturalmente cinzento, o resultado tinha de ser o desastre que estamos a suportar.
Foi uma década perdida. Mais do que perdida, foi uma década de retrocesso. Estamos pior do que estávamos há dez anos. Pior, no que diz respeito à realidade, e pior, no que diz respeito à esperança. O PS não é capaz de assumir os graves erros de governação que cometeu e parece estar, neste momento, num inacreditável processo de recuperação de figuras e de políticas que conduziram à derrocada das finanças, da economia, da educação, da justiça; que conduziram à repugnante promiscuidade entre política e negócios; que conduziram ao desprezo pela ética política e à disseminação da corrupção. O PS continua a ser um partido prisioneiro dos mesmos interesses e das mesmas clientelas que dominam o PSD e o CDS. Não é, por isso, expectável nenhuma mudança significativa nas políticas levadas a cabo por estes socialistas. 
Aos portugueses sobra a alternativa de contarem apenas consigo próprios, mas isso é coisa que os portugueses ainda não estão disponíveis para fazer.
Boas festas? Sim, alguns tê-las-ão. Certamente que os milionários, que nos últimos três anos cresceram em número e em riqueza, terão umas festas boas. A maioria, tenho dúvidas de que as possa ter.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Acerca da obsessão pelos «rankings»

Imagem de Gil Coelho
Dever-se-ia proceder a um estudo rigoroso sobre a obsessão que certas pessoas manifestam pelos rankings. Na verdade, há um mistério que envolve os rankings
A observação mostra que aqueles que, de facto, são bons naquilo que fazem não sentem necessidade de rankings. Quem é bom naquilo que faz terá até alguma dificuldade em compreender não apenas a obsessão que alguns revelam por listagens como não compreenderá que haja quem ainda acredite que uma seriação traduza as qualidades de uma realidade. Quem é bom naquilo que faz (tirando algumas excepções) está concentrado naquilo que faz, não desperdiça tempo a contemplar inventários. Não são, pois, os bons que reclamam os rankings.
Por outro lado, sabemos há muito que, do ponto de vista objectivo, a figura de «o melhor» disto, de «o melhor» daquilo, de «o melhor» de todos é uma figura de ficção. Acerca de realidades complexas, qualitativas e com múltiplos intervenientes, a figura de «o melhor» é pouco mais do que uma alicantina. Faz parte do universo das narrativas que adormecem crianças, faz parte do universo dos romances light, dos filmes de acção, das revistas cor-de-rosa e de pouco mais. Em rigor, a figura de «o melhor», em realidades complexas, não existe. Só os resultados quantitativos são susceptíveis de serem enfileirados, mas isso normalmente só nos dá informação acerca do «mais» isto e do «menos» aquilo, nada diz de qualitativo acerca de «o melhor».
Não existindo a figura de «o melhor», isto significa dizer que a maior parte dos rankings que à nossa volta pululam e que enchem páginas de jornais e abrem noticiários são um engano. Enganam sempre que afirmam, em termos absolutos, que «o melhor» é este ou aquele, seja indivíduo ou instituição. Enganam sempre que afirmam, mesmo que o façam em termos relativos (o que raramente acontece), que «o melhor» é este ou aquele, pois não relevam devidamente os parâmetros segundo os quais classificaram e não justificam a escolha desses parâmetros e a ponderação que decidiram atribuir-lhes. Enganam, de facto, porque a mensagem que passam é a de que foi encontrado «o melhor» ou «a melhor», e não foi.
Por isso, os rankings que procuram determinar «o melhor» hospital, «a melhor» escola, «o melhor museu», «o melhor» escritor, «o melhor músico» ou «a melhor» música são, na verdade, conjuntos vazios. A avaliação objectiva de «o melhor» não é possível.
Sabe-se isto há muito, mas continua a fazer-se de conta que não se sabe, e a «indústria» dos rankings prospera. Prospera indecorosamente, mas prospera. É um fenómeno semelhante à prosperidade que os reality shows televisivos evidenciam. E parecem existir causas comuns a esta prosperidade comum.
Supostamente, rankings reality shows põem a nu o que estava escondido, isto é, põem a nu o que, supostamente, de outro modo não poderia ser visto. Por conseguinte, os rankings e os reality shows supostamente descobrem o que estava encoberto, e ambos fazem-no do mesmo modo, fazem-no de um modo simples e linear, que é o modo que suscita imediatas adesões: nos rankings, basta ler de cima para baixo e, supostamente, a «realidade» que o ranking mostra fica logo à vista; nos reality shows, basta olhar para o écran do televisor e, supostamente, a «realidade» revela-se logo, em toda a sua crueza. Ambos, rankings reality shows, dão-nos, portanto, formas rápidas de ver «a realidade» — não exigem análise, não solicitam reflexão e dão-nos a ilusão de objectividade: «a verdade» está ali à nossa frente, só a temos de contemplar.
Há muito que se sabe o quanto a mediocridade tem apetência por estas formas de «ver» a realidade: formas passivas, instantâneas, fáceis e ilusórias. Há muito que se sabe que a mediocridade gosta e precisa de ler assim o mundo. O problema não está na mediocridade ter essa necessidade, o problema está em querer impingir-nos essa necessidade e em querer-nos impingir essa forma medíocre de ver a realidade como sendo a forma certa de ver a realidade.
Isto até um tipo mediano como eu consegue ver.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Poemas



É ruim mentir, ruim na corte falar verdade.
Um leão, para mostrar a sua humildade,
Mandou que o criticassem. Disse-lhe a raposa: você é culpado
Porque é generoso e bom demais no seu reinado.
A ovelha, quando viu que as críticas o leão adora,
Disse-lhe: «cruel, guloso, tirano.» — E morreu na hora.


Ignacy Krasicki
(Trad.: Henry Siewierski)


domingo, 30 de novembro de 2014

O preso preventivo José Sócrates

Imagem publicada na internet sem identificação do autor
O preso preventivo José Sócrates foi secretário de Estado adjunto do ministro do Ambiente (durante dois anos), foi ministro adjunto do primeiro-ministro (durante dois anos), foi ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território (durante três anos) e foi primeiro-ministro de Portugal (durante seis anos). Cumulativamente, foi secretário-geral do PS (durante sete anos).
O actual preso preventivo José Sócrates ocupou, por conseguinte, cargos de grande poder e de enorme responsabilidade, desde 1995 até 2011. No total, foram dezasseis anos em que o actual preso preventivo José Sócrates foi um protagonista político e, nessa qualidade, governou e/ou representou o país. 
Há seis dias, foram imputados ao actual preso preventivo José Sócrates os crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e corrupção. São crimes muito graves para qualquer cidadão, mas são-no ainda mais para quem foi secretário de Estado, ministro e primeiro-ministro.
Se a imputação destes crimes não vier a ser confirmada em tribunal, a Justiça portuguesa verá a sua actual pouca credibilidade reduzida a zero. Mais do que ridicularizada, ficará destituída de autoridade e dará um contributo decisivo para afundar ainda mais o país.
Se a imputação destes crimes vier a ser provada em tribunal, significará que o actual preso preventivo José Sócrates, ao mesmo tempo que, enquanto primeiro-ministro, reduzia as pensões e as reformas, aumentava criminosamente a sua riqueza pessoal; ao mesmo tempo que baixava os salários dos funcionários públicos e retirava subsídios a quem deles precisava fazia crescer criminosamente os seus rendimentos; ao mesmo tempo que, com uma arrogância patológica, pregava a moralidade social e acusava tudo e todos de falta de ética política entretinha-se com actos de corrupção, de modo a garantir a si próprio uma vida de luxo e fausto.
O actual preso preventivo José Sócrates coleccionou, nos últimos anos, um impressionante rol de suspeições: caso «Assinatura de projectos de casas na Guarda»; caso «Licenciatura»; caso «Cova da Beira»; caso «Apartamentos na Braamcamp»; caso «Freeport»; caso «Face Oculta»; caso «TVI»; caso «Taguspark»; e, para além disto, foi o responsável objectivo pela bancarrota a que o país chegou, em 2011.
Se os crimes que agora lhe são imputados vierem a ser provados em tribunal, não só a prisão preventiva passará a justa prisão efectiva, como o preso José Sócrates passará a ser não só o político que, depois da queda da ditadura, mais mal fez ao nosso país, como será o político mais repugnante da história desta República.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Elites que fedem

Imagem de António Gralheira
As nossas elites fedem. Putrefactas, exalam um odor nauseabundo e derramam pus em tudo o que tocam. Somos o país medíocre que somos porque temos as elites que temos e pela conivência do sistema que as promove e das gentes que as toleram.
Nauseia olhar para os protagonistas que sem nenhum pudor destroem o país, ao mesmo tempo que se lambuzam com milhões de euros que furtam a tudo e a todos e que sem remorso depositam nas suas contas pessoais.
Roubo, corrupção, compadrio e incompetência são partes do manto que envolve as figuras públicas (e não públicas) responsáveis pelo estado cadaveroso em que nos encontramos.
À absolutamente incompetente governação política de PSD, CDS e PS, que há décadas nos dirige, junta-se uma inimaginável panóplia de actos criminosos que banqueiros, gestores, autarcas e agora altos responsáveis da administração pública garbosamente e impunemente vêm praticando.
O prândio parece não ter fim e os comensais das diferentes elites não se mostram tímidos e servem-se abundantemente.
Repugna olhar para o estado de apodrecimento político, cívico e ético em que nos encontramos. Contudo, vemos a doença a alastrar e nada fazemos.
Só um país muito doente elege a incultura e a arrogância para a sua presidência. Só um país muito doente condecora quem foge das responsabilidades governamentais. Só um país muito doente aceita que os responsáveis políticos por uma bancarrota comentem, conferenciem e solenemente opinem sobre tudo e sobre todos. Só um país muito doente admite que a mentira consecutiva se instale na chefia de um governo. Só um país muito doente tolera pagar a destruição de cinco bancos — BPN, BPP, BCP, BANIF, BES — ou permite o afundamento de empresas como a PT.
Estamos doentes e gostamos de estar doentes. Gostamos do estado de lamúria e de queixume a que nos entregamos. Vamos permitindo que o sistema se perpetue. Não temos brio. Nem sequer afoiteza temos para o mínimo, que é acabar com o ciclo infernal de governos PS e PSD/CDS. Vamos fazendo de conta que acreditamos que a rotatividade de caras altera políticas. Vamos fazendo de conta que acreditamos que uma Justiça lenta, burocrática e inquinada por leis ardilosas e ineptas pode resolver-nos o problema. Vamos fazendo de conta que não temos nada com o assunto e que a culpa é do destino.
Entretanto, as elites fedem. Roubam, corrompem, destroem.

domingo, 9 de novembro de 2014

Merkel, a educação e Portugal

Imagem de Gil Coelho
Do ponto de vista da substância, é irrelevante o que Angela Merkel diz sobre a educação em Portugal. Merkel é absolutamente ignorante sobre a educação portuguesa e não é, nem nunca foi, em lado algum, uma referência sobre assuntos educativos. Deste ponto de vista, o que Merkel diga ou não diga tem um valor estéril.
Todavia, de outros pontos de vista, o que Angela Merkel disse acerca do número de licenciados em Portugal já não é irrelevante. 

Do ponto de vista conceptual, é relevante, ainda que não constitua surpresa, que a chanceler alemã defenda uma estratificação planificada das vocações dos jovens de cada país. Segundo ela (e muitos outros), uma percentagem pré-determinada e minoritária dos jovens deve ter acesso a uma formação superior, e a restante percentagem, maioritária, deve ficar com uma formação média, cuja designação eufemística é a de curso profissionalizante ou vocacional. A este propósito, é curioso assinalar a facilidade com que encontramos, nas ideologias auto-classificadas de personalistas e que afirmam a defesa intransigente do indivíduo e da sua liberdade de escolha, buracos negros nesse mesmo personalismo e na consequente defesa da liberdade individual, sempre que esteja em causa a manutenção dos interesses instalados no modelo social dominante. Na verdade, pretender condicionar o desenvolvimento das vocações dos jovens, em função de percentagens que o modelo social existente necessita para se perpetuar, é atraiçoar grosseiramente os ditos valores personalistas, de que políticos como Merkel se reclamam representantes.
É igualmente curiosa a designação (já antiga) de cursos profissionalizantes ou de cursos vocacionais (mais recente) para designar os cursos que muito cedo se focalizam em exclusivo no desenvolvimento de competências técnicas, e que, em regra, descuram por completo a formação humanista. Na realidade,  a designação é eufemística, pois pretende amenizar a verdadeira desvalorização formativa e social que estes cursos comportam: a nível formativo, amputam a educação dos jovens, retirando-lhes o acesso a uma componente fundamental da educação, a componente ministrada pelos saberes humanistas; a nível social, «vocacionam» os jovens para assumirem exclusivamente funções de execução técnica, cuja orientação e controlo é realizada pelos que têm acesso à formação de nível superior. Mas, além de eufemística, esta designação é deliberadamente enganadora — como se qualquer curso superior não fosse também ele um curso vocacional e profissionalizante, curso que justamente possibilita a realização da vocação de quem o escolheu e que capacita para o exercício de uma profissão.
Última curiosidade: é precisamente junto daqueles que dizem chamar a si a intransigente defesa dos elevados valores humanistas que encontramos o mais ostensivo abandono desses valores, feito em nome da capacitação profissional, ou, se se preferir, da capacitação vocacional. Segundo este modo de ver as coisas, a assimilação dos elevados valores humanistas deve ficar restrita à elite que, vá-se lá saber como, faz deles tábua rasa quando reserva para si própria a exclusividade do acesso a esse mesmos valores e o acesso à direcção da sociedade.

Analisada agora do ponto de vista político, a afirmação da chanceler é igualmente relevante. É relevante que a alemã Angela Merkel se considere possuída do direito de opinar publica e depreciativamente sobre a política educativa de um outro país soberano, independentemente de ser falso (e o que ela afirmou é grosseiramente falso) ou verdadeiro aquilo que diga. Para além da evidente falta de sentido de Estado e de respeito institucional a que deveria sentir-se obrigada, Merkel vai consolidando a  estratégia político-ideológica que afirma o poder alemão como o verdadeiro poder da Europa. O poder que põe, dispõe, define e manda.
Esta é a estratégia do poder político alemão desde há alguns anos, e que um político como Passos Coelho, pela posição de impressionante subserviência que sempre manifestou, ajuda a consolidar. Aqueles que, como Passos Coelho, abdicaram de representar quem os elegeu e abdicaram de representar a soberania, a nação e a história de que emanam serão objectivamente co-responsáveis pelas graves consequências de eventuais desmandos germânicos que novamente venham a colocar a Europa no centro de um conflito bélico. 

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Engalanados

Imagem de António Gralheira
Cavaco Silva condecora Durão Barroso, por razões que a razão desconhece. No acto solene nenhum partido da oposição se faz representar. Durante a cerimónia, os elogios são múltiplos e recíprocos.
Ascenso Simões, ex-secretário de Estado de um governo de José Sócrates mostra-se queixoso, com razões que a razão também desconhece, por Cavaco Silva ainda não ter condecorado aquele ex-primeiro-ministro. Santos Silva, ex-ministro daquele ex-primeiro-ministro insurge-se contra a possibilidade dessa condecoração ser dada por Cavaco Silva, considerando que isso [ainda?] sujaria [mais?] o currículo do seu ex-chefe de governo. Manuel Alegre discorda de Santos Silva e concorda com Ascenso Simões, exigindo que Cavaco Silva condecore José Sócrates. Nos bastidores daquilo a que erradamente se chama política, insinua-se que, se Cavaco Silva decidisse condecorar José Sócrates, este recusaria.
Portugal olha-se ao espelho e vê-se representado deste modo: no meio de uma gravíssima crise económica, social e financeira a nossa elite atribui-se medalhas, discute medalhas e luta por medalhas.

Não temos modo de aprender: continuamos mestres no mexerico, no entretenimento fútil, na arte da aparência, na inutilidade, enquanto o desemprego ronda os 14%, os jovens não conseguem o primeiro trabalho, os salários continuam miseráveis, a educação degrada-se, a saúde deteriora-se, a justiça anedotiza-se e o futuro é tétrico.
Mas tudo é normal, desde que as televisões medíocres prossigam na transmissão de programas medíocres, as revistas nauseabundas divulguem alcovitices nauseabundas, o facebook não imploda, o smartphone não avarie e as futeboladas não acabem. Aceitamos a pobreza material e de espírito como duas inevitabilidades geradas por uma misteriosa genética. Aceitamos a incompetência com uma misteriosa indiferença. Aceitamos a corrupção com uma misteriosa complacência. Aceitamos tudo o que nos façam com um impressionante marasmo. Não parecemos gente de carne, osso e sangue, parecemos uma massa mole.
Medalhados, condecorados e engalanados assim vamos tudo aceitando.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Pausa



Por razões de natureza profissional, este blogue fará uma pausa
até ao início do próximo mês de Novembro.


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Passos, Crato e Bava: diferentes faces da mesma realidade

1. Passos Coelho não demite Nuno Crato, nem este se demite.
O primeiro-ministro não demite o ministro da Educação, porque, antes do interesse do país, tem sempre em melhor conta o interesse do governo que chefia. Caso contrário, neste três anos e meio de governação já teria demitido a quase totalidade da sua equipa e ele próprio já não exerceria funções.
Existem dois princípios sem os quais o exercício da política se torna obsceno. Um desses princípios diz que o fundamento do exercício de uma função política é exclusivamente a defesa do bem público; e o outro diz que a acção política tem de estar sempre vinculada a valores e regras éticas. Ambos os princípios têm estado sistematicamente ausentes na acção política de Passos Coelho: o bem público nunca tinha sido tão desprezado e destruído como o foi (e continua a ser) desde que tomou posse como chefe do actual governo; e a violação das regras éticas começou com as promessas, que se revelaram escandalosas mentiras (e com base nas quais venceu as eleições), e tem prosseguido com uma desgraçada regularidade ao longo do seu mandato.
Deste primeiro-ministro nada há a esperar de benéfico para o país, nem das suas decisões políticas nem dos seus comportamentos. Por exemplo, a sua inaceitável recusa em esclarecer os montantes dos reembolsos que diz ter recebido da ONG a que presidiu, enquanto era deputado em regime de exclusividade, legitima a pergunta: que esconde Passos Coelho?
Devendo ser o primeiro-ministro a referência política e comportamental de um governo, não admira que o seu ministro da Educação lhe siga o exemplo. Na verdade, só a mesma ausência de princípios no exercício de um cargo público é que explica o facto de Nuno Crato ainda não ter apresentado a demissão. Todavia, o enorme lamaçal dentro do qual esbraceja deveria ser mais do que suficiente para o levar a perceber que o interesse público e os valores éticos lhe apontam um único caminho: o da porta de saída.

2. Depois do interminável rol de crimes de diversa natureza, de incompetências, de desonestidades e de irresponsabilidades, que quase todos os membros da suposta elite financeira portuguesa têm protagonizado, surge um outro rol mas agora relativo à gestão das grandes empresas portuguesas. Depois do cenário apocalíptico que vai sendo revelado acerca do grupo das empresas Espírito Santo, estamos a ser confrontados com a situação da Portugal Telecom. Vemos que uma suposta elite de excelência dos gestores portugueses está a ser colocada na rua por objectiva incompetência e por manifesta falta de zelo e de respeito pelos accionistas. Henrique Granadeiro e Zeinal Bava são os dois mais recentes exemplos da mediocridade das nossas elites. Ambos são responsáveis pela enorme destruição de valor daquela que já foi a maior empresa portuguesa. Ambos foram obrigados a demitirem-se.

3. As nossas supostas elites política, financeira e de gestão revelam uma mediocridade confrangedora. Quanto tempo mais vamos permitir que elas prossigam a destruição do país?

sábado, 4 de outubro de 2014

Nuno Crato: da incompetência à indecência

Imagem de Vítor Nunes
Nuno Crato tinha, ainda que um pouco inexplicavelmente, uma imagem pública de competência, na altura em que era apenas uma possibilidade para futuro ministro da Educação de um governo de direita. Quando a possibilidade se transformou em realidade e Nuno Crato assumiu as funções de governante, em muito pouco tempo se verificou o quão essa imagem era falsa. O ministro e a sua equipa rapidamente mostraram uma incompetência e uma ignorância inimagináveis. Os dislates surgiam a um ritmo impressionante, quer do ponto de vista conceptual quer administrativo. 
Crato juntou-se, assim, a Rodrigues e a Alçada, e os três fizeram desta última década não só um período perdido como um período ruinador para a educação. E também como Rodrigues, Crato juntou agora à incompetência a indecência, no modo como se comporta com os professores. Rodrigues teve persistentemente comportamentos indecentes para com os docentes, e Crato, mais uma vez, segue-lhe o exemplo. O respeito por quem tem a função de educar as gerações que chegam às escolas devia ser um dos primeiros deveres a que qualquer ministro da pasta deveria sentir-se obrigado. Contudo, a realidade mostra precisamente o oposto. Neste momento, após semanas de escandalosa incompetência na organização do concurso de professores contratados, assiste-se a uma situação que repugna, seja qual for a perspectiva pela qual possa ser vista:
— a incompetência gerou uma errada graduação dos professores que se submeteram a concurso;
— a incompetência não reconheceu de imediato esse erro colossal. Permitiu que ele se mantivesse e se consolidasse;
— a incompetência demorou semanas a corrigir a graduação.
A esta série de incompetências segue-se a indecência:
— os professores que, fruto do erro colossal, foram incorrectamente colocados, e que, por ordem do Ministério da Educação (ME), já leccionavam há semanas nessas escolas, foram agora informados de que tinham de abandonar as suas escolas e rumar para outras escolas ou para o desemprego;
— os alunos vêem partir os professores com quem já estavam a trabalhar e vêem chegar professores que desconhecem;
— os docentes que deslocaram família e bens para as localidades onde tinham sido colocados, vêem-se obrigados a tudo desfazer e, no caso de nova colocação, retomarem nova deslocação, ou, no caso de não terem sido colocados, regressarem a casa e rumarem aos centros de emprego;
— os directores das escolas recebem do ME a indicação de que devem proceder à rescisão dos contratos anteriormente assinados. Fazem-se e desfazem-se contratos como numa república de bananas.
Na verdade, só uma enorme falta de decência por parte do responsável político, Nuno Crato, explica este mísero cenário. Em relação aos alunos, trata-se duma indecente falta de respeito pedagógico por quem aprende; em relação aos professores, trata-se  duma indecente falta de respeito pela sua dignidade enquanto profissionais e pela sua dignidade enquanto pessoas.
E, perante isto, Nuno Crato não tem a decência de se demitir.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Manifestação no dia 5 de Outubro


Recebido por e-mail, do Movimento Boicote & Cerco:











«Se a Escola Pública está a ser atacada a um ritmo sem precedentes (o que compromete cada vez o desenvolvimento e os sonhos das nossas crianças e jovens) não podemos continuar com as tradicionais formas de luta das últimas décadas. Por isso no dia Mundial do Professor a 5 de Outubro, o Movimento Nacional de Professores Boicote&Cerco apela a que se juntem TODOS em defesa de uma Escola Pública de qualidade. Professores, funcionários escolares, psicólogos, encarregados de educação e alunos devem seguir o exemplo de união demonstrado entre alunos e professores no dia 25 Setembro em Lisboa à frente do MEC e de dia 26 Setembro em Sta Maria da Feira na Escola Fernando Pessoa protestando contra o Ministro Nuno Crato. 
SE O CRATO NÃO NOS DEIXA SONHAR, NÃO O DEIXAREMOS DORMIR! Dia 5 de Outubro junta-te à coluna do Boicote&Cerco e façamos história com uma grande manifestação de TODA a sociedade em defesa da Escola Pública! CONVIDEM TODAS AS PESSOAS! Mais informações em: https://www.facebook.com/groups/boicote.cerco/»

domingo, 28 de setembro de 2014

O estado em que vamos estando

1. O primeiro-ministro tem de dizer quanto recebeu de reembolsos das despesas que apresentou à tal ONG com a qual diz ter colaborado, durante o período em que foi deputado em regime de exclusividade. Tem de o fazer por duas razões: primeira, porque em relação a um primeiro-ministro, que foi deputado em regime de exclusividade, não pode permanecer a dúvida sobre se alegados reembolsos eram de facto e apenas pagamentos de despesas realizadas, ou se eram, na verdade, uma forma encapotada de pagar um vencimento por serviços prestados; segunda, porque infelizmente a palavra do primeiro-ministro já há muito tempo deixou de ter valor. Não lhe resta, por isso, outra alternativa senão a de apresentar provas do que diz. Mas, anteontem, no Parlamento, o primeiro-ministro recusou-se a colaborar no esclarecimento das verbas que recebeu. A sua imagem e a sua credibilidade ficaram ainda mais degradas. Se prosseguir nessa recusa, a vida política de Passos Coelho não será longa. 

2. Hoje, saberemos se é António José Seguro ou António Costa o candidato que o PS apresentará ao cargo de primeiro-ministro, caso este partido vença as próximas eleições legislativas. Para os portugueses, haverá diferença substancial em ser um ou em ser o outro o candidato a primeiro-ministro? Desgraçadamente não. Na realidade, entre aquele que pouco se diferencia do governo actual e aquele que diz ter um imenso orgulho no governo de Sócrates, qualquer opção é má. Nenhum dos dois protagoniza uma política capaz de ser alternativa à política dominante no cenário europeu. Ambos são reféns da incapacidade de enfrentar os enormes e poderosos interesses instalados que estão a conduzir a um empobrecimento generalizado e a um retrocesso civilizacional. Costa foi o n.º 2 do governo socialista mais à direita que, desde 1974, governou Portugal, e Seguro foi a oposição socialista mais inepta que um governo de direita teve, desde 1974. O PS é um partido largamente contaminado pelo mesmo tipo de interesses que contaminam o PSD e o CDS. Seja Seguro ou seja Costa nada de realmente importante se alterará.

3. E o futuro nada tem de promissor, enquanto continuarmos inertes na passividade em que vamos vivendo.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Para clicar




25 de Setembro: protestos no Porto, Coimbra e Lisboa




Concurso de professores: «E depois do caos?»

Comunicado da ANVPC recebido por e-mail:


Comunicado: E depois do caos?

A criação da Bolsa de Contratação de Escola (BCE) pretendia reparar a discricionariedade e profundo sentimento de desagrado evidenciado pelos Professores Contratados resultantes da utilização, por parte de algumas escolas, de critérios de seleção e recrutamento que revelavam elevada “autonomia criativa”, designados até em blogues de educação como “critérios manhosos”, amplamente utilizados no âmbito da Contratação de Escola. Pretendia ainda, segundo a tutela, agilizar o processo de colocação de Professores.

Se a intenção do MEC em uniformizar, a nível nacional, os critérios de seleção era, na sua vertente teórica, apreciável, já a implementação, na sua vertente prática, originou o caos total. Esse caos trouxe consigo elevados prejuízos para os Alunos, Pais, Diretores e Professores, por via de toda a confusão gerada com a implementação de um concurso marcado por um elevado índice de impreparação por parte da tutela (técnico e concetual) e pelo impasse criado com a demissão do Diretor Geral de Administração Escolar.

Vejamos ainda que as listas de graduação da BCE, apresentadas pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) na passada sexta-feira (dia doze de setembro) não cumprem, a nosso ver, os desígnios de um concurso público, nomeadamente no propósito do rigor, da transparência e da fiabilidade necessária nesta tipologia concursal. Esse forte handicap consubstancia-se na impossibilidade de qualquer candidato entender a razão da sua ordenação, e a dos restantes opositores ao concurso, não permitindo, a título de exemplo, a possibilidade de apresentação de um Recurso Hierárquico fundamentado, caso subsista alguma dúvida de legalidade processual. [Ver comunicado da ANVPC em http://anvpc.org/comunicado-um-concurso-publico-docente-verdadeiramente-obscuro/ ]

Urge, por isso, encontrar soluções, que, de forma célere, minimizem o impacto do caos gerado por uma planificação concursal que falhou redondamente, acentuada pelo erro crasso de uma fórmula matemática que não apresentava as competências requeridas para calcular corretamente a soma de dois coeficientes. 

Face ao exposto, não obstante a proposta que a ANVPC irá enviar oportunamente para o MEC com medidas de médio e longo prazo, torna-se urgente reparar a atual situação, vivida nos vários concursos em marcha, através das seguintes medidas: 
  • Divulgação urgente, pela DGAE, de todas as listas públicas relativas a todas as colocações realizadas no passado dia 12 de setembro, da BCE, por grupo de recrutamento, referindo o nome do candidato, escola de colocação, número de horas do horário, etc. Só assim poderão ser compreendidas futuras medidas de reparação do problema, a apresentar pelo MEC;
  • Divulgação de todos os subcritérios de seleção especificamente associados a cada escola TEIP e AUTONOMIA, uma vez que na aplicação os docentes apenas tinham acesso ao subcritério, mas não conseguiam saber a que escola reportava;
  • Divulgação das cotações associadas a cada item de resposta, em cada subcritério definido por cada escola específica;
  • Divulgação da cotação final, total, de cada subcritério, por candidato, por escola e por grupo de recrutamento;
  • Revisão dos subcritérios que foram propostos pelos diretores e aprovados pelo MEC que poderiam levar, em sede de concurso BCE, a respostas dúbias, assim como à indução de “falsas declarações” (no caso de docentes que concorriam a mais que um grupo de recrutamento) para todos os candidatos;
  • Reconstituição das colocações que foram realizadas a 12 de setembro (que tiveram por base uma lista de graduação dos professores que o próprio ministro reconheceu que foi gerada por uma fórmula incorreta), sem prejuízo para os docentes já colocados e a colocar;
  • Obrigatoriedade dos Diretores das escolas TEIP E AUTONOMIA comprovarem documentalmente as respostas dadas aos subcritérios definidos pelas escolas, por parte dos professores que ficaram, e/ou venham a ficar, colocados na BCE;
  • Reparação da situação de todos os professores que tendo ficado colocados na Contratação Inicial lhes foi vedado o direito de acederem a uma colocação na BCE, independentemente do número de horas da sua colocação;
  • Ser apresentada uma solução a todos os Professores a que lhes era permitida, a 1 de setembro de 2014, a renovação contratual e em que a mesma, nos limites da Contratação Inicial, não veio a acontecer (por motivos alheios ao seu interesse, tendo, em alguns casos, o horário ficado, até à data, vazio). Veja-se que alguns destes docentes realizariam, deste modo, mais um contrato anual, sucessivo e completo, ficando por isso, de acordo com os normativos legais vigentes, com entrada semiautomática no quadro já no próximo ano letivo 2015/2016 (aplicação da “norma-travão”);
  • Dispor para o futuro, e definitivamente, de um único concurso nacional de seleção e recrutamento de professores que englobe a totalidade das escolas, deixando de existir um concurso nacional somente para escolas TEIP e AUTONOMIA;
  • Ser retomado, de imediato, todo o processo de seleção e recrutamento no âmbito da Contratação de Escola, uma vez que todas as ofertas “desapareceram” do SIGHRE há vários dias;
  • Todas as colocações advindas da resolução dos problemas já detetados pelos docentes e pela tutela, realtivas à BCE, Contratação Inicial/Reserva de Recrutamento e Contratação de Escola, deverão produzir efeitos retroativos a 1 de setembro de 2014.
Um concurso público deve cumprir os critérios estabelecidos na própria lei, de transparência, rigor e equidade entre os candidatos. A Associação Nacional dos Professores Contratados lamenta que pelo segundo ano consecutivo os Professores Contratados não tenham sido colocados nas escolas no dia 1 de setembro, resultante da má planificação concursal realizada pelo MEC e com prejuízo para todos os agentes educativos. Aliás, não se compreende que o MEC não consiga efetuar uma eficaz calendarização de atividades do concurso de professores, permitindo o tranquilo arranque do ano letivo, quando detém um ano para a sua preparação e a obrigação de obter economias de escala resultantes da experiência acumulada ao longo dos anos.

A exigência do planeamento antecipado dos concursos (com uma calendarização pública de todos os momentos concursais), da colocação de professores e da tranquila abertura do ano letivo deve mobilizar todos os agentes educativos, pois estamos perante um problema de dimensão, e interesse, nacional.

A ANVPC e os Professores Contratados continuarão a pautar a sua ação fundada no trabalho colaborativo entre os agentes educativos que permita a construção de pontes em prol do Rigor, da Qualidade e da Excelência da Escola Pública.


A direção da ANVPC

23.09.2014

domingo, 21 de setembro de 2014

Poemas

NON PIANGERE, LIÚ

Um postal chega informando-te
que deves apresentar-te
para examinarem os teus olhos.

Mas os teus olhos derreteram no fogo,
e as lágrimas únicas, que depressa secaram,
caíram na capela.

Também outras coisas chegam —
facturas, renovações de assinaturas,
cintilantes cartões de plástico prometendo crédito —
não muito para uma vida gasta
ao serviço da realidade.

Não tens de lhes responder.
Nem ao meu pedido de uma gota
de auxílio no meu próprio inferno.

Não chores, digo-me,
é tudo uma comédia
e as comédias têm um final feliz.

O fogo surgirá do sol
e eu olharei para o coração dele.

Peter Porter
(Trad.: José Alberro Oliveira)

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Desculpas e cinismos

Imagem de Fábio Kwasniewski.
uns bons anos, passava na televisão um anúncio publicitário que lá pelo meio da mensagem dizia isto: «Uma boa desculpa não indemniza prejuízo». Lamentavelmente, os nossos governantes não pensam assim. Pensam que um pedido de desculpas automaticamente os isenta de responsabilidades e de indemnizar os prejudicados.
Passos Coelho, ainda antes de ser primeiro-ministro, já pedia desculpas aos portugueses por não cumprir a promessa que tinha feito de não apoiar o governo anterior na subida de impostos. O pedido de desculpas foi apresentado, mas não foi acompanhado de qualquer comportamento consentâneo com o próprio pedido. O pedido bastou-se a si mesmo, e a vida do então candidato a primeiro-ministro prosseguiu normalmente. Chegado a primeiro-ministro, voltou a não cumprir múltiplas promessas que tinha feito, alguns desses incumprimentos foram mesmo politicamente obscenos, mas nem desculpas pediu. Todavia, apesar de ter deixado de pedir desculpas, não deixou de aconselhar os seus ministros a que o fizessem nos precisos termos que ele o fazia, isto é, com o pressuposto de que um pedido de desculpas isenta automaticamente quem o formula de responsabilidades e de indemnizar os prejudicados.
Foi o que aconteceu esta semana: a ministra da Justiça, pediu desculpas pelo inacreditável caos instalado no sistema judicial, há mais de quinze dias. Contudo, apresentado o pedido de desculpas, a ministra prossegue em funções, com uma enigmática naturalidade. Apesar dos muitos milhares de pessoas e de empresas que estão a ser gravemente prejudicados com a paralização do sistema, a responsável máxima da tutela isenta-se de assumir qualquer comportamento consentâneo com a desculpas pedidas e com os pesados prejuízos causados. Considera-se inimputável, mas não nos explica as razões porque se considera assim.
À ministra da Justiça juntou-se, na mesma semana, o ministro da Educação e Ciência. Ao caos da Justiça juntou-se o caos no concurso de professores e na abertura do ano lectivo. Erros grosseiros, colocações de professores incorrectas, prejuízos gravíssimos para a vida dos professores, e alunos sem professores em muitas escolas. Ao fim de vários dias de anarquia, o ministro surgiu finalmente a pedir desculpas. Mas ponto final. Apresentadas as desculpas, a vida continuou, para o ministro, com enigmática naturalidade. Seguindo os exemplos de Passos Coelho e de Paula Teixeira da Cruz, Nuno Crato  isenta-se de assumir qualquer comportamento consentâneo com a desculpas pedidas e com os enormes prejuízos causados. Também  se considera inimputável, e também não nos explica as razões porque se considera assim.
À incompetência no fazer junta-se a indecência do ser. Dão cabo da vida a milhares ou milhões de pessoas, mas, com o cinismo dos carrascos, pedem desculpas pelo incómodo e continuam a sua vida de governantes.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Bolsa de Contratação de Escola - Anulação imediata das listas





Comunicado da direcção da ANVPC, recebido por e-mail:



Comunicado

A ANVPC – Associação Nacional dos Professores Contratados, considera que, de acordo com os pareceres acabados de ser tornados públicos pelo Jornal Público  – apresentados por Jaime Carvalho e Silva (professor na Universidade de Coimbra e vice-presidente da Associação de Professores de Matemática) e Jorge Buesco (vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática), assim como pelas inúmeras denúncias fundamentadas (apresentadas a esta organização por parte dos docentes contratados portugueses), está demonstrado que as listas de graduação apresentadas na passada sexta-feira pelo Ministério da Educação e Ciência, relativas à Bolsa de Contratação de Escola, não cumprem os desígnios de um concurso público com o rigor, a transparência e a fiabilidade necessária.

Nessa medida, esta organização considera que todas as listas da Bolsa de Contratação de Escola deverão ser imediatamente retiradas e corrigidas, e para que seja cumprida uma colocação rápida, e correta, dos docentes envolvidos, os mesmos deverão ser seriados tendo como único critério a sua graduação profissional. A ANVPC considera ainda que a todos os docentes colocados na Contratação Inicial/Reserva de Recrutamento, deverá ser possibilitada a continuidade de colocação na Bolsa de Contratação de Escola, situação que não está, aparentemente, a ocorrer.
17.09.2014
A direção da ANVPC

domingo, 14 de setembro de 2014

Vazios

Imagem de Eduardo Almeida
1. Sempre que o ministro da Educação fala, fica-se com a sensação desagradável de estarmos a ouvir alguém que não sabe exactamente o que diz. Invariavelmente, Nuno Crato repete duas coisas: repete slogans, relativos às suas crenças ideológicas, cuja correspondência com a realidade é nula ou quase, como é o caso da recorrente manifestação de fé na tese defendida por aqueles que sustentam que o número de alunos por turma não tem relação com o insucesso escolar nem com a indisciplina; e, segunda coisa, repete explicações sobre a realidade escolar que coloca os cabelos em pé a quem minimamente conhece o assunto, como é o caso das suas recentes explicações acerca da inacreditável abertura do ano lectivo.
Ao fim de três anos e meio de exercício de funções ministeriais, Nuno Crato já evidenciou a todos, mesmo àqueles que inicialmente lhe depositavam alguma esperança, o imenso vazio de ideias, de conhecimentos e de projectos que, na realidade, trazia consigo.

2. O crash, que já vai em duas semanas, do sistema informático da Justiça portuguesa serve de espelho do governo: apesar de atempadamente avisado, ignorou os alertas e irresponsavelmente permitiu que o caos se instalasse. Enquanto isto acontecia e acontece, a ministra desaparecia e continua desaparecida. Há duas semanas que não se a vê nem se a ouve.

3. Os debates entre António José Seguro e António Costa confirmam, desgraçadamente para os portugueses, que, se continuarmos a confiar a governação aos partidos que há cerca de 40 anos nos dirigem (PS, PSD e CDS), continuaremos, ainda que com pequenas nuances, no rumo em que nos encontramos. 
É confrangedor verificar que a discussão política, realizada por aqueles dois protagonistas, se resume a saber quem atraiçoa mais ou menos, quem se apropria ou não apropria das ideias de outros e mais algumas porcarias desta natureza. 
Definitivamente o que sabemos é: se Seguro vier a ser primeiro-ministro nada de especial vai mudar (a não ser o IVA da restauração); se for Costa, para além de sabermos que trará consigo grande parte da tralha socratista, nem sequer conseguimos saber se o IVA da restauração baixará.
Não entendo como há quem se inscreva propositadamente para poder votar em uma destas duas opções.

4. Os nossos banqueiros e os nossos governantes continuam competentemente a destruir o país, com uma impunidade que impressiona. E os pagantes, que somos nós, continuamos a assistir a tudo isto, sentados e impávidos, proferindo aqui ou ali um queixume, ou talvez um impropério, ou, no limite superior da indignação, um bosquejo de uma ameaça inconsequente...

sábado, 13 de setembro de 2014

Trechos — Joseph Stiglitz (14)

«A forma como a globalização tem sido gerida tem conduzido a salários ainda mais baixos, visto que o poder de negociação dos trabalhadores foi destruído. Com o capital altamente móvel — e com as tarifas baixas —, uma empresa pode simplesmente comunicar aos seus trabalhadores que, caso estes não aceitem menores salários e piores condições laborais, ela fecha e vai para outro lado. Para vermos como uma globalização assimétrica pode afetar o poder de negociação, imaginemos, por um momento, como seria o mundo caso houvesse livre mobilidade laboral, mas nenhuma mobilidade de capital. Os países competiriam para atrair trabalhadores. Prometeriam boas escolas e um bom ambiente, assim como impostos baixos sobre os trabalhadores. Isto podia ser financiado por impostos altos sobre o capital. Mas não é esse o mundo onde vivemos, e isso acontece, em parte, porque os 1% não querem que assim seja.»
Joseph E. Stiglitz, O Preço da Desigualdade, Bertrand Editora.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Com carinho

Imagem publicada na internet
sem identificação do autor.
É com carinho que observo a ocorrência de um fenómeno que tem estado na ordem do dia. O fenómeno diz respeito à enorme indignação com que algumas personalidades têm reagido ao processo de avaliação dos centros de investigação (CI), promovido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. O meu carinho é dirigido não aos motivos dessa indignação, que são evidentemente fundados, mas a algumas das personalidades que se têm manifestado contra o referido processo de avaliação. Sublinho: o meu carinho vai somente para algumas dessas personalidades. Concretamente quais? Justamente aquelas de quem eu estaria longe de esperar semelhante reacção. De onde surge a minha perplexidade? Surge da seguinte circunstância: os argumentos apresentados por estas personalidades contra a avaliação que está a ser realizada aos CI são precisamente da mesma natureza daqueles que, há meia dúzia de anos, os professores apresentaram contra o modelo de avaliação do desempenho docente (ADD) imposto por Rodrigues e Alçada; todavia, na altura, essas personalidades manifestaram-se veementemente (algumas até rudemente) contra esses argumentos dos professores. Por exemplo:
i) Os professores afirmavam que a ADD escondia intenções estranhas a uma verdadeira avaliação. As referidas personalidades dizem agora o mesmo relativamente à avaliação dos CI;
ii) Os professores afirmavam que o modelo de avaliação docente era incompetente. As referidas personalidades dizem o mesmo relativamente ao modelo de avaliação dos CI;
iii) Os professores afirmavam que os avaliadores não tinham competência para avaliar. As referidas personalidades dizem o mesmo relativamente a muitos dos avaliadores dos CI;
iv) Os professores afirmavam que uma avaliação verdadeira não podia estar condicionada a quotas prévias. As referidas personalidades dizem o mesmo relativamente à existência de quotas na avaliação dos CI;
v) Os professores apresentaram dezenas de pareceres que mostravam a incompetência do modelo de avaliação. As referidas personalidades têm feito o mesmo relativamente ao modelo de avaliação dos CI;
vi) Os professores mostravam que aquele modelo de ADD estava a conduzir milhares de professores com larga experiência de ensino a abandonarem a profissão, solicitando a reforma antecipada. As referidas personalidades dizem o mesmo e falam em desistência, em afastamento e em emigração de muitos investigadores;

Mas, há seis anos, estas personalidades argumentavam contra todos estes argumentos dos professores, dizendo de uma assentada e de modo convicto que «não podíamos esperar ou exigir um modelo de avaliação perfeito, porque isso não existia, e que era preciso fazer avançar a avaliação, e no futuro logo se fariam as correcções que fossem necessárias». É com carinho que vejo o esquecimento a que votaram esta firme convicção. 
É com igual carinho que vejo estas personalidades referirem, como um elemento favorável à sua argumentação, a posição dos sindicatos contra o modelo de avaliação dos CI. Precisamente os mesmos sindicatos que estas personalidades vilipendiam, sempre que a oportunidade surge.

Talvez estas personagens consigam finalmente compreender por que razão são tão graves as consequências de uma avaliação mal feita e injusta. A avaliação nunca foi nem pode ser um fim em si mesmo; se o acto de avaliar é um acto instrumental (e só o pode ser), com vista à obtenção do melhoramento de algo, e se esse instrumento é mau, se está mal concebido ou se é mal aplicado, não só o objectivo da avaliação não é atingido como os seres humanos envolvidos transformam-se em vítimas e sofrem as consequências da má avaliação realizada.
É com carinho que lhes recordo isto.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Regressar

Fotografia de Márcio Barreto
Regressar ao estado em que se encontra o nosso país é penoso. Voltar a ter de suportar as mesmas caras, os mesmos discursos, as mesmas incompetências, a mesma ausência de esperança, a mesma espiral de problemas é quase um fado.
O que tem esta elite de políticos, de banqueiros, de patrões, de jornalistas para oferecer àqueles a quem impõem a sua presença e a quem se propõem governar, ou dirigir financeira ou economicamente, ou simplesmente informar? Esta elite não tem nada para oferecer. São secos de ideias novas. Exercem a função de guardiães dum mundo caduco, irremediavelmente injusto, grotesco e estúpido. Da elite que tem dirigido o país nas últimas décadas não há nada a esperar, a não ser a preservação dos seus privilégios e mordomias. Tudo farão para os manter e nada mais que vá para além disso.
Apesar de todos o sabermos, vivemos como se não o soubéssemos, aconchegando ilusões ou cultivando apatias.

domingo, 3 de agosto de 2014

Descansar... deste país

Portugal repugna. A burla, a corrupção, o esbulho e a incompetência dominam o país. Os protagonistas das nossas elites revelam, a um ritmo quase diário, a enorme mediocridade que os enforma. Tudo o que mais recentemente se tem passado confirma o que há muito é visível: a principal responsabilidade da situação que vivemos é das elites que tomaram conta da política, da finança, da economia, da advocacia e da comunicação social. E olhar para os protagonistas destas elites gera múltiplos sentimentos, e nenhum é certamente bom: indignação, revolta e náusea são com certeza dos mais partilhados entre os portugueses.
Ver esses protagonistas, ouvi-los, lê-los tornou-se insuportável. Olhá-los um a um ajuda a perceber como foi possível chegar a este ponto, mas não alivia o mal-estar. Como não alivia o mal-estar constatar o estado de letargia em que a contestação social se encontra.

As férias servem, entre outras coisas, para descansarmos da agonia deste país e simultaneamente podermos ficar apenas com o que de melhor ele tem, como é, por exemplo, a música que a criatividade dos nossos melhores artistas nos oferece. É o caso de Bernardo Sassetti. Infelizmente já não está entre nós, mas deixou-nos as suas obras, e com elas podemos fruir de momentos de grande prazer estético. É com um desses momentos que quero desejar boas férias a todos aqueles que delas ainda podem desfrutar. 
Até Setembro.



Sugestão de Diogo Carneiro

sábado, 26 de julho de 2014

Lideranças fortes, unipessoais e assentes no mérito

Imagem publicada na internet sem identificação
do autor
«É preciso perceber a mitificação que existia à volta de Ricardo Salgado, em muitos membros da comunidade mas sobretudo dentro do Banco Espírito Santo. Os quadros falavam de Salgado como de um banqueiro predestinado, um líder de que se orgulhavam, um homem que estaria sempre acima dos desafios e dos seus pares.» (Revista do Expresso - 19/7/2014)
Era, por conseguinte, aquilo a que se chama uma liderança forte, unipessoal, resultante de inquestionável mérito demonstrado por evidências.

«De alguma maneira, a situação foi semelhante no BCP aquando da crise de Jardim Gonçalves: era venerado pelos seus quadros, a incredulidade foi semelhante.» (Revista do Expresso - 19/7/2014)
É outro exemplo daquilo a que se chama uma liderança forte, unipessoal, resultante de inquestionável mérito demonstrado por evidências.

Oliveira e Costa, do BPN, João Rendeiro, do BPP,  Henrique Granadeiro, da PT, são outros exemplos daquilo a que se chama uma liderança forte, unipessoal, resultante de inquestionável mérito demonstrado por evidências. A lista poderia continuar.

Todas estas lideranças, para além de terem em comum o facto de serem fortes, unipessoais e resultantes de inquestionável mérito assente em evidências, têm outro elemento em comum: estão sob a alçada da justiça (ou virão a estar, como será certamente o caso de Granadeiro). Sobre estes líderes fortes, unipessoais e meritórios impendem acusações de elevada gravidade. Mas para além das múltiplas violações da lei, as consequências da sua gestão ruinosa afectaram e estão a afectar a vida de milhões de portugueses e de estrangeiros.
Todavia, durante anos, todas estas lideranças, para além de terem sido, do ponto de vista social, exemplos dos designados «bem sucedidos na vida», daqueles que a sociedade deveria venerar e seguir; estas lideranças eram também, e principalmente, expoentes máximos de um modelo de gestão e protagonistas de uma ideologia. Da ideologia que fez e faz precisamente do modelo de gestão assente nas ditas lideranças fortes e unipessoais a garantia de eficácia, de competitividade e de meritocracia. Da ideologia que apresenta este modelo como a fusão ideal entre a gestão focalizada nos resultados e a (suposta) premiação do mérito.
As consequências desta ideologia não seriam graves se elas se restringissem a um nicho social privado que quisesse viver segundo esta crença. Mas, infelizmente, as coisas não se passam assim: por um lado, o âmbito desta crença não está circunscrito a um nicho, pelo contrário, tem-se alargado a grande parte da sociedade, que ingenuamente tende a vê-la como uma «verdade natural»; por outro lado, o que acontece no domínio privado interfere sempre, em maior ou menor grau, com o domínio público, o que deveria retirar àquele a possibilidade de viver em «roda livre»; por último, mas não menos importante, esta ideologia conseguiu exportar o seu modelo de gestão para o sector público. Deste modo, escolas, hospitais e empresas públicas passaram, desde há alguns anos, a ter como arquétipo de gestão a designada liderança forte, unipessoal e (alegadamente) assente no mérito. O sector público foi tomado pelo mito ideológico deste modelo de gestão, assim como pelos valores retrógrados que lhe estão associados.
As consequências do domínio desta ideologia na sociedade estão a ser terríveis a todos os níveis — desde o financeiro e económico até ao educativo e cultural.  E apesar da realidade nos mostrar todos os dias a incompetência deste modelo e a falsidade dos pressuspostos em que assenta, mantemo-nos embevecidos na esperança naïf que depositamos nas lideranças unipessoais e na crença provinciana de que o sector público deve seguir os modelos do sector privado.
O escrutínio dos factos e dos argumentos e a consequente alteração dos comportamentos continuam a ser relegados em proveito ou dos interesses instalados ou de credulidades mais ou menos rústicas.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Não vigiar a PACC - um imperativo deontológico e cívico


Imagem publicada na internet sem identificação do autor
Não vigiar hoje a PACC é um imperativo deontológico de todos os docentes, como já o foi há uns meses, aquando da primeira marcação desta (pseudo) prova de avaliação de conhecimentos e de competências de professores contratados.
Esta suposta prova de avaliação, criada por Lurdes Rodrigues e concretizada por Nuno Crato, é conceptualmente uma excrescência, é de aplicação ilegítima e é manifestamente incompetente para avaliar os objectivos que diz prosseguir, como o demonstrou o enunciado da sua primeira edição. 
A isto acresce o modo inqualificável como a remarcação da PACC foi feita, ao que se soma agora a prepotente tentativa de impedimento de realização de reuniões sindicais nas escolas, para onde está marcada a  prova.
Este comportamento do ministério da Educação revela a mediocridade política e o pensamento canhestro de quem o dirige. Objectivamente, trata-se de uma actuação típica de uma ditadura: primeiro, sem um mínimo de razoabilidade nem de respeito pelo outro, marca-se, com três dias úteis de antecedência, uma prova nacional, apenas para se impedir o agendamento de uma greve; depois, por via de um ofício, determina-se que as reuniões sindicais ficam proibidas durante um determinado período de tempo. 
É um cenário inaceitável e de extrema gravidade, em que a lei democrática é olimpicamente ignorada e afrontada. É inacreditável como à luz do dia e com o silêncio cúmplice de múltiplos responsáveis políticos se ensaiam práticas de regresso ao passado anterior a 1974. O desejo de regresso à barbárie política é evidente, por parte de alguns. É por isso que não vigiar a PACC é um imperativo simultaneamente deontológico e de resistência cívica.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Nuno Crato: política de golpadas

Ser governante deveria implicar regras éticas. Quem governa deveria sentir-se vinculado a um código de ética política, onde a transparência, a honestidade e a lealdade para com os governados estivessem asseguradas como regras essenciais. Governar significa decidir sobre a vida de milhares ou de milhões de pessoas que, por mandato, transferem o seu poder de decidir para outrem. Se um governante sabe isto, sabe que não pode ocultar comportamentos ou decisões, não pode enganar nem ser desleal para com quem lhe transferiu o poder. Se um governante sabe isto e não o pratica, deixa de ser um político e passa a ser um escroque político. 
Na verdade, governar não é a arte da finta, do truque ou da golpada. Governar nunca pode ser isto. E o governante responsável pela Educação mais ainda deveria sentir-se impedido de transformar a política nisto. Lamentavelmente, Nuno Crato e a sua equipa não pensam nem fazem assim. De finta em finta, de rasteira em rasteira, de golpada em golpada, Nuno Crato e a sua equipa fazem disto a sua política, desde a tomada de posse. Foi assim com a avaliação do desempenho docente, foi assim com a reforma curricular, foi assim com o regime de mobilidade, foi assim com o encerramento de escolas, foi assim com a avaliação dos centros de investigação, foi assim... está a ser assim com a municipalização escolar e, desde ontem, também está a ser assim com a remarcação da prova de ingresso para os professores contratados. 
Nesta remarcação da prova, Nuno Crato e a sua equipa comportaram-se como o vigarista que, às escondidas, se deleita, enquanto prepara a golpada com que vai surpreender a vítima. Anunciar com três dias úteis de antecedência a realização de uma prova nacional — prova que interfere com a vida de milhares de professores e com a organização de dezenas de escolas — apenas para impedir que os sindicatos e os professores possam possam fazer uso do direito à greve, é uma trapaça de política rasca e uma inaceitável afronta a um direito estrutural da democracia. É levar a política para o nível da sarjeta.

A Educação não pode continuar a ser dirigida por alguém que acumula uma impressionante ignorância sobre a pasta que superintende com a total ausência de pruridos ético-polítcos.

sábado, 12 de julho de 2014

As elites que continuam a destruir o país

Imagem de Robson Cavalcante
Não sei se existem adjectivos suficientemente adequados para classificar com rigor as elites que têm dominado o país. Refiro-me às elites política, económica e financeira. Esta trindade tem sido fatídica para os portugueses. Aquilo em que tocam é destruído. A última década tem sido particularmente ilustrativa desta desgraça.
A nível político, os últimos dez anos deram-nos quatro primeiros-ministros cujas qualidades políticas e técnicas só podiam conduzir o país ao estado a que chegámos. Seria muito difícil sobreviver, com saúde, a lideranças que à primeira dificuldade e à primeira oportunidade abandonam o país e fogem das responsabilidades que tinham assumido para com o eleitorado; ou a lideranças que têm do exercício de governação uma ideia confundível com uma vida gerida entre o glamour e a passerelle; ou a lideranças que colocam a vaidade pessoal, a arrogância e a obsessão pelo poder à frente dos interesses dos portugueses; ou, finalmente, a lideranças mentirosas, fanáticas e subservientes a ditames estrangeiros, que destroem a vida presente e hipotecam a vida futura de milhões de indivíduos. Estou certo de que nenhum país seria capaz de sobreviver, com saúde, a governos liderados por políticos como Durão Barroso, Santana Lopes, Sócrates e Passos Coelho.
A nível económico, continuamos a ter demasiados patrões e poucos empresários. Sem saber ler nem escrever economicamente e sem saber ler nem escrever civicamente, o patronato português é tecnicamente incompetente e eticamente carroceiro. A fraquíssima qualidade da nossa produtividade e as péssimas condições de trabalho existentes são da sua directa responsabilidade.
A nível financeiro, o desastre é quase indescritível: não só nenhum dos grandes bancos foi capaz de sobreviver sem a ajuda directa do Estado, como este sector tem sido o domínio que, nos índices, mais rivaliza com a criminalidade de rua. Curiosamente, esta criminalidade financeira é tratada pela imprensa dominante com uma impressionante complacência.
Mas, nos últimos dias, tivemos conhecimento de que alguns protagonistas das elites financeira e económica decidiram cruzar trapaças: administradores da Portugal Telecom e do Grupo Espírito Santo uniram-se em negócios escuros, isto é, feitos às escondidas de quase todos e com a exclusiva finalidades de salvar interesses particulares, mesmo que isso significasse poder dar cabo do valor de uma empresa como a PT.
Agora, se alguém se der ao trabalho de revisitar os jornais e as revistas dos últimos anos, verificará facilmente que todos estes responsáveis políticos, económicos e financeiras não apenas nos eram apresentados como arquétipos da excelência lusitana como lhes era atribuído o poder e a legitimidade de se pronunciarem criticamente contra a generalidade dos portugueses, porque estes, segundo a sua ponderada opinião, andaram a viver acima das suas possibilidades.
Estas elites continuam a destruir o país, e os portugueses, mais ou menos impávidos, continuam a permitir que isso aconteça.