sábado, 12 de outubro de 2013

Acerca da crise e da corrupção (9)

«O orçamento do Estado, aprovado anualmente no Parlamento, constitui o maior instrumento de corrupção de toda a política nacional. Todos os anos, uma percentagem bem significativa é transferida para alguns dos mais poderosos grupos económicos de Portugal. Muitos dos actores políticos têm exactamente como incumbência encontrar os mecanismos para canalizar verbas para os grupos económicos de que são assalariados ou consultores. [...]
A este descontrolo nas contas e na gestão pública juntam-se as enormes suspeitas que sempre houve relativamente ao financiamento das campanhas eleitorais. E que a última legislação aprovada nesta matéria, no ano de 2011, torna ainda pior. [...]
Em primeiro lugar, permite que candidatos sejam financiadores das campanhas dos seus próprios partidos. Daqui para a frente, poderemos assistir a autênticos leilões de lugares nas listas para o Parlamento, ganhando quem oferece mais. Com esta hipótese, e como o próprio Presidente da República veio reconhecer "é potenciado o risco de, por via indirecta, um candidato fornecer a um partido contribuições financeiras que haja obtido junto de terceiros, sem que exista possibilidade de controlo formal desta realidade". Os critérios de escolha dos candidatos a parlamentares que integram as listas eram já enigmáticas, mas esta nova modalidade ultrapassa a mais bizarra imaginação. 
E há pior! A pretexto de reduzir as despesas, a legislação agora em vigor autoriza ainda que haja donativos indirectos ou em espécie. Ou seja, um qualquer amigo do partido poderá fornecer uns cartazes ou pagar umas jantaradas e até emprestar umas sedes — não sem compensações, é claro. E os partidos, não dispondo de recursos próprios, só podem garantir essas contrapartidas à custa do domínio sobre os recursos públicos. O financiamento partidário tornou-se assim num investimento certo, de retorno rápido e colossal, e confortável. Os políticos e dirigentes da administração estão na posição de exercer o poder público para beneficiar quem lhes financia as campanhas.»
Paulo Morais, Da Corrupção à Crise — Que fazer?, Gradiva.