segunda-feira, 15 de abril de 2013

O privado faz melhor do que o Estado?

«O que o privado pode fazer faz melhor do que o Estado.» Esta é uma das frases emblemáticas que a ideologia dominante repete insistentemente. A teimosia com que esta frase é repetida não tem um contraditório de idêntica persistência. E não se compreende que não o tenha. Na verdade, as «evidências» (termo adorado pelos neófitos da ideologia dominante) não confirmam a universalidade da afirmação. Em Portugal, temos até muitos elementos que, se se pretendesse a partir deles generalizar, nos conduziriam à conclusão oposta.

1. Na educação, por exemplo, uma comparação séria entre a qualidade do serviço público e a qualidade do serviço privado revela que o primeiro é claramente superior.
No ensino universitário, não existe nenhuma instituição privada cuja qualidade de ensino rivalize com as públicas. Pelo contrário, é no ensino universitário privado que têm ocorrido as mais extravagantes situações, algumas que culminaram até com o encerramento dessas universidades — um desses encerramentos foi mesmo de natureza compulsiva (refiro-me à Universidade Independente, conhecida por aceitar testes enviados por fax e por passar diplomas ao domingo).
A Universidade Católica não constitui uma excepção a esta regra, porque não se trata de uma instituição privada — é uma Universidade pública não estatal. Neste momento, o ensino superior privado é essencialmente uma solução de recurso para aqueles que não conseguem entrar no ensino público.
No ensino básico e secundário, temos uma realidade ocultada por uma «medição» trapaceira, a conhecida «medição» dos rankings dos jornais. Houvesse um escrutínio sério que comparasse o trabalho desenvolvido por todas as escolas e ver-se-ia que o verdadeiro trabalho educativo e formativo é esmagadoramente realizado nas instituições públicas, que diariamente trabalham com crianças e jovens de todas as classes e de todas as proveniências. Não trabalham com um público seleccionado, cujo o nível económico e cultural se situa muitíssimo acima da média, possibilitando processos de ensino e de aprendizagem muito diferentes daqueles que têm de ser desenvolvidos com alunos que vêm de famílias desestruturadas e/ou carenciados económica, cultural e afectivamente. Não haja a menor dúvida de que é nas escolas públicas que é desenvolvido o trabalho mais difícil e o mais meritório.

2. Na saúde, ninguém afirma, com seriedade, que os melhores cuidados sejam prestados pelos hospitais privados. Não é atribuída à medicina privada qualquer mais-valia, se comparada com a medicina pública. São aliás os centros de saúde e os hospitais públicos os pilares da saúde dos portugueses. A existir supremacia será, pois, do público sobre o privado.

3. Nos transportes, a passagem de diversas empresas do sector público rodoviário para o sector privado não trouxe, para o utente, nenhuma vantagem conhecida. Pelo contrário, nestes casos, a regra tem sido aumento dos preços e diminuição da frequência do serviço.

4. Na energia, nenhum consumidor ficou beneficiado com a transformação da EDP em empresa privada. O mesmo sucedeu com a GALP. Em nenhuma das duas situações houve abaixamento dos preços ou melhoria da qualidade do serviço prestado. E o Estado deixou de usufruir dos lucros que ambas as empresas lhe proporcionavam.

5. Na televisão, as estações privadas não fazem melhor serviço do que a RTP. A qualidade é equivalente e a independência, ou a falta dela, é idêntica. Acresce que a RTP realiza serviço público que as estações privadas nunca estariam interessadas em realizar.

6. Na banca, são os bancos privados os maiores sorvedouros do dinheiro dos contribuintes e onde os crimes e as falcatruas proliferam. O BPN e o BPP, dois bancos onde as burlas não parecem ter fim, são privados, não são públicos. O BANIF, o BPI e o BCP, que foram recentemente recapitalizados com o dinheiro do Estado, são bancos privados, não são públicos. A CGD, que é pública, teve de ser recapitalizada porque injectou e continua a injectar milhões de euros no BPN.

A frase «o privado faz melhor do que o Estado» está pois muito carenciada de prova factual. 
A defesa da actividade não estatal é obviamente legítima e é óbvio que se trata de uma actividade necessária em qualquer sociedade, o que não é legítimo nem óbvio é adulterar a realidade em favor de uma ideologia cega ao interesse comum.