sábado, 15 de dezembro de 2012

Avaliação docente: dois despachos (8)

Para concluir:

1. O modelo de avaliação de Crato é mais um modelo de pseudo-avaliação do desempenho, como o foi o modelo de Rodrigues/Alçada. Não tem credibilidade, porque a quase totalidade dos avaliadores não a tem, e não tem fiabilidade, porque sendo o desempenho docente um objecto de elevada complexidade não pode ser avaliado, na sua dimensão mais importante (dimensão científica e pedagógica), em 180 minutos, de quatro em quatro anos.

2. O modelo de avaliação de Crato é mais um modelo feito para a «opinião pública ver», como o foi o modelo de Rodrigues e de Alçada. Não está preocupado com o desenvolvimento profissional dos professores, está preocupado apenas em assegurar, junto da opinião pública e da opinião publicada, a «impressão» de que existe uma avaliação dos docentes.
Um verdadeiro e sério modelo de avaliação tem de ter como objectivo primordial contribuir para a progressiva melhoria do desempenho profissional dos professores, isto é, contribuir para a melhoria das práticas lectivas, com vista a que os alunos possam alcançar melhores aprendizagens. É isto que verdadeiramente é importante. Uma avaliação de 180 minutos, de quatro em quatro anos não o pode fazer.

3. O modelo de avaliação de Crato é um modelo alicerçado no vazio. Não podendo repetir a excêntrica, infindável e ridicularizada lista de padrões do desempenho do modelo de Rodrigues/Alçada, onde se almejava uma avaliação atomística do exercício docente, Crato e a sua equipa elaboraram um modelo sem substância, isto é: temos uma forma sem conteúdo. Esta é, aliás, a contradição que os modelos de avaliação desta natureza não conseguem superar: ou procuram universalizar comportamentos atomísticos, que são inavaliáveis, ou procuram universalizar generalidades, cuja imprecisão gera obscuridades e arbitrariedades.

4. O modelo de avaliação de Crato viola dois compromissos que tinham sido formalmente assumidos:
i) o compromisso de que a dimensão científica e pedagógica não seria avaliada por pares da mesma escola;
ii) o compromisso de que o professor avaliador teria de ser do mesmo grupo disciplinar e de que teria de pertencer a escalão igual ou superior ao do professor avaliado. 
Ambos os compromissos foram deitados ao lixo.

5. Última observação, a propósito de um Artigo sui generis.
O Art.º 12.º, do despacho normativo 24/2012, tem o seguinte conteúdo:
«1 —— A observação de aulas regulamentada pelo presente despacho normativo não é prejudicada pela vigência de disposições legais que temporariamente impeçam a progressão na carreira. 
2 —— Para os efeitos referidos no número anterior e caso se verificasse a normal progressão na carreira docente, no ano escolar de 2012-2013, consideram-se os seguintes períodos e momentos: 
a) Até final do 1.º período letivo, apresentação dos requerimentos de observação de aulas a realizar no próprio ano escolar; 
b) Até ao final do mês de janeiro de 2013, conclusão e divulgação da seleção e distribuição dos avaliadores externos, bem como a calendarização da avaliação da dimensão científica e pedagógica.» (O negrito é meu).
O uso do pretérito imperfeito do conjuntivo é normalmente utilizado para apresentar um desejo ou uma solicitação, ou então para formular uma hipótese referente a um momento passado ou a um momento temporalmente indeterminado. Como um despacho normativo não formula desejos nem faz solicitações, apenas enuncia normas, a utilização do pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo «verificar» só se pode reportar ou à formulação de uma hipótese referente a um momento passado ou a um momento intemporal. Neste caso, a um momento intemporal não é certamente, pois está escrito que é ao ano escolar 2012-2013 que o assunto diz respeito. Ficamos assim reduzidos à possibilidade do pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo verificar («verificasse») estar a ser utilizado em referência a um momento passado. Se se refere a um momento passado, a algo que já se foi no tempo, temos uma dificuldade:
a) Tendo o despacho sido assinado a 19 de Outubro de 2012, por que razão se refere ao ano lectivo 2012-2013 como sendo do passado, se ele estava a começar?
b) Se é referente a uma hipótese do passado que não se tinha verificado (a progressão na carreira), por que razão o seu conteúdo apresenta uma calendarização que vai até Janeiro do ano seguinte?
c) Tendo sido há muito anunciado que o congelamento das carreiras perdurará, no mínimo, até ao fim cumprimento do memorando da troyka, com que justificação se utiliza o pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo verificar: «caso se verificasse a progressão na carreira»?
Para além do manifesto conflito com a gramática, ficamos sem saber se este Artigo 12.º deve ser entendido como uma tentativa sui generis de fazer humor ou como um efectivo exercício de cinismo político.
Provavelmente é tudo isto.