segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Politicamente ordinário

Tive a sorte de não poder assistir em directo à comunicação que Passos Coelho fez ao país, na passada sexta-feira. Fui assim poupado à observação, em tempo real, de um comportamento politicamente ordinário.
Acabei de ler o texto. Os primeiros onze parágrafos do discurso proferido são uma mescla do pior que se imagina que um político sem respeito pelos outros nem por si próprio pode fazer: afirmações enganosas, afirmações falsas e afirmações velhacas, como aquela que inicia o segundo parágrafo: «Quero falar-vos com a mesma franqueza com que sempre vos falei.» Ouvir ou ler isto incomoda certamente até o mais pacato cidadão — que certamente se interroga como é que alguém que praticamente desde há ano e meio não faz outra coisa senão mentir aos portugueses consegue ter o despudor de pronunciar a palavra «franqueza» em proveito próprio.
A reiterada falta de honestidade política de Coelho tem uma consequência grave: torna irrelevante, para quem o ouve ou lê, a argumentação que ele utiliza para (supostamente) fundamentar a sua política. Sabendo-se como se sabe que estamos perante alguém que mente de forma sistemática e que faz do engano o seu principal instrumento político, aquilo que ele diz deixa obviamente de merecer atenção séria ou respeitosa. É por isso que os restantes nove parágrafos, que anunciam o aprofundamento do latrocínio governamental, são de leitura inútil para quem tenha a expectativa de encontrar alguma lisura no comportamento do nosso primeiro-ministro.
Na realidade, o patamar de degradação política e ética a que chegou a actual governação já não solicita como resposta a dialéctica argumentativa — esta pressupõe seriedade intelectual de ambas as partes, condição que manifestamente já não existe. É necessário começar a criar condições para o derrube do governo.