sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Exames nacionais - apontamentos (14)

Um outro argumento a favor da generalização dos exames a todas as disciplinas, no final de cada ciclo de ensino, e com peso determinante na aprovação do aluno é o seguinte: «Os exames são fundamentais para estimular a excelência no ensino». (Desidério Murcho, «Exames Nacionais e Sucesso Escolar no Ensino Básico e Secundário», Blogue Crítica). 

Antes de dar a minha opinião sobre o conteúdo deste argumento, não prescindo de fazer um comentário que, apesar de ser totalmente lateral ao argumento de Murcho, me parece pertinente, dado o contexto em que vivemos e que temos vivido, nos últimos anos. 
Nos dias de hoje, falar de «excelência» remete-nos para uma carga de trabalhos. Desde há meia dúzia de anos — e de um modo um pouco misterioso — o termo excelência ganhou, em Portugal, inusitados adeptos e uma popularidade inesperada, em particular no domínio da Educação. De repente, isto é, a partir de Sócrates e de Rodrigues, toda a gente começou a utilizar e a manipular conceptualmente o termo excelência com uma facilidade que me deixou e continua a deixar impressionado: são as «Escolas de excelência», são as «Escolas a caminho da excelência», são os «Professores de excelência», é o «Ensino de excelência», são as «Instalações de excelência». E do substantivo para o adjectivo: «A minha escola é excelente porque obteve três excelentes na avaliação externa»; «O Manel é excelente porque teve excelente na avaliação do desempenho», etc. Por isto, não admira que há algum tempo tenha ouvido uma conversa entre duas professoras, que se desenvolvia mais ou menos assim: «Eu sou mais excelente do que a X, porque o meu excelente na avaliação do desempenho foi mais alto do que o excelente dela.» Quando o conceito de «excelência» se vê suplantado por um outro conceito de «excelência» que incorpora «excelências superiores» e «excelência inferiores», a situação fica difícil de ser trabalhada conceptualmente. Ou seja, em Portugal, nesta conjuntura de confusão generalizada acerca do conceito «excelência», onde se faz a caça descarada ao adjectivo e se vulgariza o substantivo, torna-se difícil saber do que é que estamos a falar quando falamos de excelência. Desgraçadamente, é esta a realidade em que estamos: somos medíocres em quase tudo, mas enchemos os discursos de «excelências». 

Mas vou deixar de parte a conjuntura e vou tentar dar a minha opinião sobre o argumento de Desidério Murcho. Volto a enunciá-lo: «Os exames são fundamentais para estimular a excelência no ensino». O autor acrescenta ainda que a excelência do ensino estimula «o sucesso escolar». Mas vamos por partes, e porque o sucesso escolar aparece aqui como consequência da «excelência no ensino», comecemos pela «excelência no ensino». 
Independentemente das tolices da conjuntura que acima referi, Murcho deveria ter esclarecido e aprofundado o que entende por «excelência no ensino». Não o tendo feito, ficamos um pouco enredados numa dimensão conceptualmente obscura. Na verdade, a expressão «excelência no ensino» pode ter, como Murcho sabe, diferentes acepções — excelência no ensino pode querer significar um ensino «centrado nos conhecimentos», ou significar um ensino «centrado nas competências»; ou significar um ensino «centrado na formação integral do aluno», ou significar um ensino centrado na «formação para a cidadania», ou um ensino «centrado na preparação para os exames», ou um ensino «descentrado dos conteúdos e centrado no aluno», ou um ensino «centrado na liberdade do aluno», ou outra coisa qualquer (utilizei expressões vulgarizadas pelas modas pedagógicas e que são conhecidas de todos, ainda que, em alguns casos, nem sempre se saiba qual é o seu verdadeiro significado...). 
É incompreensível pois que Desidério Murcho no seu desenvolvido texto não tenha dedicado umas linhas a este esclarecimento. Em nome do rigor e da clareza que diz prezar (e bem) deveria ter começado por aqui. Ficamos, deste modo, sem poder saber por que razão os exames são fundamentais para a «excelência no ensino», já que não nos é dada a possibilidade de vislumbrar o que é a «excelência no ensino» e que relação de causa-efeito aqui existe. 
A argumentação a favor da generalização dos exames e da sua importância vive muito deste tipo de «evidências», que espontaneamente se tendem a aceitar, porque são apelativas, mas que esmiuçadas pouco ou nada revelam. 
Não quero, aliás, cometer a injustiça de pensar que, para Desidério Murcho, um «ensino de excelência» é aquele que está centrado na preparação dos alunos para os exames (atendendo aos rasgados elogios que ele faz a este tipo de provas). Se este fosse o entendimento de Murcho, o argumento que utiliza a favor dos exames seria estranho, pois seria o mesmo que dizer que os exames são fundamentais para estimular a preparação para os exames, o que quereria dizer que os exames se justificariam a si mesmos...
Mas seja o que for que se entenda por «excelência do ensino», tenho dificuldade em imaginar como é que provas tão limitadas nas suas capacidades avaliativas (v. os posts anteriores) podem contribuir para tal «excelência».

(Continua)