sexta-feira, 20 de julho de 2012

Exames nacionais - apontamentos (11)

No texto da semana passada, abordei o primeiro argumento que Nuno Crato apresenta a favor da realização de exames nacionais, no livro intitulado O 'Eduquês' em Discurso Directo (2006).
Hoje vou dar a minha opinião sobre o segundo argumento: «Os exames podem ser orientadores de percursos escolares, levando, por exemplo, a encaminhar estudantes com dificuldades para vias alternativas, com o mesmo ou outro término escolar.» (p.48).
Discordo deste ponto de vista. Elevar os exames nacionais à categoria de orientadores de percursos escolares suscita perplexidade; acrescentar que os exames nacionais podem encaminhar os estudantes com dificuldades para percursos alternativos duplica o espanto; apresentar isto como justificação para a realização destas provas triplica o embaraço.
O meu ponto de vista é, de facto, bastante divergente deste. Em primeiro lugar: eu já ficaria satisfeito se os exames nacionais cumprissem a primeira função para que foram criados, isto é, se fossem capazes de avaliar aprendizagens e competências com fiabilidade/fidelidade. Infelizmente não tenho essa satisfação, os exames não o conseguem fazer. Em segundo lugar: se a função básica de avaliar aprendizagens e competências com fiabilidade/fidelidade não é cumprida, não se compreende que se pretenda atribuir aos exames outras funções que, para além de serem mais complexas, dependem do cumprimento satisfatório da função básica.
Adicionalmente a esta objecção, existe outra e mais relevante: a função de orientar um percurso ou de encaminhar para percursos alternativos é uma função do(s) professor(es), não cabe a um exame nacional. 
Somente uma ideia muito limitada do papel do professor e um crença ilimitada nas potencialidades de um exame é que podem conduzir à extravagante conclusão de se atribuir a uma prova desta natureza capacidades orientadoras. E este é um dos problemas de Crato: a devoção que tem a tudo o que lhe surja traduzido em números. Crato acredita ou tende a acreditar que uma prova de exame nacional classificada, por exemplo, com 12,3 valores corresponde a um saber real (se estivermos a falar só de saberes) de 12,3 valores. Crato acredita que o número é o modo mais fiel de expressar uma realidade. Por isso, ele vê nos exames nacionais o poder de orientar e encaminhar, porque, no seu entendimento, os números não enganam: mostram o que a coisa é, ou seja, neste caso, mostram o que o aluno é. Mostram o que é, o que não é e o que poderá vir a ser, daqui a sua função supostamente orientadora e encaminhadora, do ponto de vista de Crato.
Crato não nega — se o fizesse não poderia ser ministro da Educação — mas desvaloriza a dimensão relacional que o acto de ensinar possui. A dimensão relacional, intersubjectiva é para Crato um adorno, algo que se existir é óptimo, mas se não existir não é grave. A sua obsessão pelo conhecimento fá-lo secundarizar e desvalorizar o resto. Ora é com estes desequilíbrios conceptuais que temos dado cabo da Educação em Portugal: ou vivemos imersos no mar do «eduquês» ou passamos para o outro extremo em que nada importa a não ser o conhecimento. 
O curioso é que Crato não valoriza mais do que eu valorizo a sólida formação científica que um professor tem de possuir. Eu também faço parte do grupo que defende que o conhecimento científico é condição necessária para se ser um bom professor. Sem o profundo domínio científico das matérias que lecciona ninguém pode ser um professor recomendável. Todavia, sendo isto uma condição necessária não é de todo uma condição suficiente. Não chega ser bom cientificamente. Ensinar implica uma relação pedagógica sã, humanamente rica, uma relação afectiva, uma relação de proximidade.
E é nesta e desta relação que surge o trabalho de orientação, de encaminhamento, que constitui, precisamente, o trabalho essencial do pedagogo (como o étimo da palavra indica) e que nenhum exame nacional pode ter, substituir ou complementar.
Se se estivesse à espera do resultado de um exame para orientar ou encaminhar um aluno, muito mal nós estaríamos. Primeiro, porque os resultados dos exames nacionais não são (con)fiáveis; segundo, porque esperar por tais resultados, para orientar e encaminhar, significaria que não tinha existido, durante o ano, qualquer trabalho pedagógico. Fazer depender o trabalho de orientação e de encaminhamento dos resultados dos exames nacionais seria a negação objectiva da função pedagógica do professor.

Concluindo: este segundo argumento de Crato a favor dos exames nacionais tem, à semelhança do primeiro, uma notória fragilidade.

(Continua)