sexta-feira, 8 de junho de 2012

Exames Nacionais - Apontamentos (5)

Recordando alguns problemas graves que fragilizam severamente a fiabilidade avaliativa de um exame nacional — e que estranhamente são desvalorizados ou mesmo omitidos por quem defende a sua generalização a todas as disciplinas no fim de cada ciclo de estudos e com peso determinante na aprovação de cada aluno:

1. Como muita literatura científica afirma e muita da nossa experiência profissional confirma, o primeiro momento em que a falta de fiabilidade avaliativa do exame nacional começa a desenhar-se ocorre com a selecção das aprendizagens e das competências (ou, noutra terminologia, dos objectivos) que vão ser objecto de avaliação. Tratando-se de uma prova desvinculada dos processo concretos de ensino-aprendizagem, que se desenvolvem nas milhares de turmas das escolas do país, a selecção das aprendizagens e das competências objecto de avaliação incorre inevitavelmente em desadequações em relação a esses processos. Aquilo que para o professor da turma não constitui um problema (porque sabe como se desenvolveu o processo de ensino-aprendizagem com os seus alunos, e elabora os testes em consonância e em coerência com esse processo) é  um problema para quem elabora uma prova nacional (porque não pode conhecer nem corresponder a esses múltiplos processos de ensino-aprendizagem), cuja resolução é sempre inadequada ou pouco adequada para um número significativo de alunos e, em alguns casos, para a maioria dos alunos que vão ser submetidos a essa prova.
A este propósito é pertinente recordar que não existe nenhuma verdade pré-determinada sobre as aprendizagens e as competências que devem ser objecto de avaliação num exame nacional. É pertinente recordar que as equipas que elaboram os exames são, elas próprias, produtoras de uma interpretação sobre o que é mais e menos relevante no programa curricular, a partir do qual a prova vai ser elaborada. Evidentemente que não sugiro que este processo decorre no meio da subjectividade absoluta e sem a mínima solidez. A solidez mínima existe, é o programa de cada disciplina que a corporiza, todavia, como sabemos, essa solidez é manifestamente insuficiente para impedir escolhas desadequadas de aprendizagens e competências a testar no exame nacional. Todos temos tropeçado com uma frequência inaudita em enunciados de exames, de diversas disciplinas, cuja pertinência das perguntas formuladas, no contexto do programa a que se reportam, é fundamentadamente contestável. Contestável não apenas por leituras diferentes das prioridades estabelecidas no programa da disciplina — leituras que conduzem a processos de ensino-aprendizagem divergentes, convém não esquecer —, mas contestável também porque o conteúdo desses enunciados se afasta ou mesmo ignora indicações e sugestões de aplicação do programa dadas pelos os autores do mesmo e recebidas pelas escolas com a chancela do Ministério da Educação.
Já todos pudemos verificar a existência de provas com perguntas que incidiam sobre aspectos do programa tidos por marginais e sem perguntas sobre partes do programa considerados como essenciais. Ora, avaliar aprendizagens ou competências marginais retira obviamente validade à prova, os resultados que daí se obtêm não possuem fiabilidade, porque não nos informam sobre aquilo que os alunos de verdadeiramente importante sabem ou não sabem, são ou não são capazes de fazer.
O problema é que tudo isto não ocorre acidentalmente. O problema da selecção das aprendizagens e das competências a avaliar no exame nacional ocorre inevitavelmente, pelas razões acima apontadas, e que são de todos conhecidas.

2. A escolha dos tipos de perguntas a formular constitui, como sabemos, uma dificuldade comum na elaboração de provas de avaliação, seja de que natureza forem, mas constitui uma dificuldade muitíssimo maior na elaboração de uma prova de exame nacional. 
Se é verdade que não existe nenhum tipo de pergunta que não possua limitações/insuficiências avaliativas, também é verdade que essas limitações/insuficiências são ultrapassadas pela diversidade/complementaridade de instrumentos de avaliação que podem ser utilizados, durante o ano lectivo, no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. Contudo, a superação das limitações/insuficiências não é possível de realizar numa prova de exame nacional com peso determinante na aprovação do aluno, como alguns pretendem que venha a acontecer. Se a prova tem um peso determinante, todos os elementos de avaliação obtidos pelos professores durante o ano lectivo são desvalorizados ou anulados.
Sabendo-se, como se sabe, que todos os tipos de perguntas (sejam de resposta curta: completação, verdadeiro-falso, associação, escolha múltipla; sejam de resposta longa: livre ou orientada) ou induzem grande subjectividade na elaboração das questões; ou induzem grande subjectividade na avaliação/classificação das respostas; ou só avaliam com fiabilidade aprendizagens e competências mais simples e descuram as mais complexas; ou permitem que o factor «sorte» possa intervir com elevada probabilidade; ou só permitem avaliar elementos restritos das aprendizagens, ou etc.; não se compreende que, mesmo assim, sabendo-se tudo isto, ainda se defenda a universalização dos exames nacionais e se defenda que lhes seja atribuído um peso decisivo na passagem de ano dos alunos.
Sabendo-se, como se sabe, que apenas as perguntas de escolha múltipla e as perguntas de resposta longa podem avaliar aprendizagens e competências mais complexas, mas que as primeiras não conseguem avaliar aprendizagens que exijam a organização e o desenvolvimento de ideias ou o exercício da argumentação nem conseguem avaliar competências como a expressão verbal, a reflexão, o espírito crítico, etc., (para além de permitirem a introdução de relevantes elementos subjectivos na redacção das perguntas); e que as segundas, avaliando essas aprendizagens e competências, introduzem elementos de elevadíssima subjectividade na avaliação e classificação das respostas; não se compreende que, mesmo assim, sabendo-se tudo isto, ainda se defenda a universalização dos exames nacionais e se defenda que lhes sejas atribuído um peso decisivo na passagem de ano dos alunos.

(Continua na próxima semana)