sexta-feira, 4 de maio de 2012

Actividades de substituição - a nódoa mantém-se (2)

A propósito do que escrevi na semana passada sobre as actividades de substituição (agora com um nome mais elaborado: actividades de enriquecimento e complemento curricular), recebi um e-mail do(a) leitor(a) JVM que me colocou a seguinte questão: «Da leitura que fiz do seu texto, concluí que não concorda com as actividades de substituição e depreendi que concordaria com as aulas de substituição. Mas as aulas de substituição enfermariam do mesmo problema: um professor desconhecido a dar uma aula numa turma desconhecida. O problema manter-se-ia, portanto.»
Para além de agradecer a questão formulada, tentarei explicar qual é a minha opinião sobre este assunto.

Ponto prévio: a falta isolada de um professor a uma aula nunca constituiu nem constitui um problema grave para os alunos nem para a escola, seja qual for o ponto de vista a partir do qual se pretenda analisar essa falta. Nunca o foi e não se percebe que, de repente, tenha passado a sê-lo. Se não se tivesse caído na tentação de fazer demagogia fácil, se não se tivesse pretendido manipular a opinião pública, se não se tivesse querido obter votos através de truques retóricos intelectualmente desonestos, não se teria tentado inventar razões para justificar a desenfreada corrida a actividades de substituição, e, com menos razão ainda, para serem aplicadas sempre que ocorre a falta de um professor.
Temos pois que distinguir entre a falta isolada e as faltas continuadas.
De uma falta isolada não vem nenhum mal ao mundo, de faltas continuadas é claro que podem vir consequências negativas para os alunos. Refiro-me a faltas continuadas durante períodos curtos — como são as situações em que um professor, por motivos de força maior (doença, acompanhamento de familiar doente, etc) tem de faltar, por exemplo, duas semanas, não sendo possível, nesta circunstância, proceder à colocação de um outro professor, ao contrário do que acontece nas faltas por períodos prolongados. É, pois, no contexto de faltas continuadas durante períodos curtos (inferiores a um mês) que eu concordo com as aulas de substituição, se leccionadas por um professor da mesma disciplina, nos termos que a seguir enuncio.
A instauração de um sistema de aulas de substituição sério, com validade científica e pedagógica, carece, no meu entendimento, de três requisitos:

i) a prática de efectivo trabalho colaborativo entre os professores do mesmo grupo disciplinar, de modo a que haja acompanhamento e partilha de informação acerca do trabalho que, ao longo do ano, está a ser desenvolvido por cada professor e das principais características das respectivas turmas;

ii) a organização, no início dos anos lectivos, dentro de cada grupo disciplinar e em função dos horários distribuídos, de pares de professores (ou trios, ou... o número depende das características dos horários dos docentes e da dimensão do grupo disciplinar), que, trabalhando colaborativamente, estarão preparados para substituições recíprocas se ocorrerem faltas durante períodos curtos. No início do ano lectivo, estes pares de professores devem ser apresentados às respectivas turmas e os alunos informados do que ocorrerá em caso de ausência de curta duração de algum dos seus professores;

iii) o pagamento de horas extraordinárias ao docente que leccionar as aulas do colega ausente. Trata-se de trabalho lectivo extraordinário e imperativamente tem de ser pago como tal.

O cumprimento destes três requisitos assegura as condições para a realização de um trabalho científica e pedagogicamente sério. Penso que é um processo competente de evitar as nefastas consequências  ocorridas nas situações de faltas continuadas durante períodos curtos (uma, duas, três semanas).
Mas, repito, estamos a falar de aulas não estamos a falar de entretenimento — de entretenimento que, na actual forma de actividades de substituição, tem gerado e continuará a gerar: indisciplina, propagação de maus exemplos comportamentais, desautorização de professores e de funcionários, inconsequente desgaste de energias, desmotivação e desequilíbrios psicológicos graves.

Esta é a minha opinião sobre as aulas de substituição. Se por qualquer razão não for possível respeitar os três requisitos acima referidos, é preferível não fazer nada do que fazer o que actualmente é feito em muitas escolas: sempre que falta um docente, há um professor que se dirige à sala de aula de uma turma que desconhece para «tomar conta dela» ou para, pretensamente, desenvolver «actividades de enriquecimento e complemento curricular».
Se se pretendem verdadeiras «actividades de enriquecimento e complemento curricular», estas farão sentido se forem desenvolvidas em espaços próprios que os alunos livremente possam frequentar, nas situações de faltas isoladas de um professor ou nos momentos em que o horário da turma o permita.

Muitas escolas, muitos professores e muitos alunos estão a pagar um elevadíssimo preço pela irresponsabilidade que foi a implementação das actividades de substituição criadas por Rodrigues. É imperioso terminar com esta situação, e já será tarde.